sábado, 12 de abril de 2008

FLAUTA MÁGICA de Amadeus Mozart

Autor Desconhecido

Parte 1. O contexto

Corria o Verão de 1791. Consta-se em Viena que o Imperador Leopoldo II, sucessor do vanguardista José II, pretende proíbir a Maçonaria. Mozart, que pertencia à Loja Esperança Coroada, conhecida por ser um dos grupos mais progressistas do seu tempo, decide escrever uma ópera a criticar essa atitude do soberano.

Juntamente com outros dois maçons (Schikaneder, brilhante actor, e Giesecke, futuro professor de Mineralogia na Universidade de Dublin) prepara A Flauta Mágica, peça de ópera fantástica em que um enredo caricatural esconde simbologia maçónica. Mozart sabia que Leopoldo II, homem de grande cultura, perceberia a mensagem. Contudo, escreveu uma ópera dirigida ao grande público e não ao pequeno círculo daqueles que poderiam descodificar a obra. Prova-o o número de representações e o sucesso destas, mesmo contra as críticas azedas de alguns eruditos da época (exceptua-se, por exemplo, Salieri que aplaudiu este trabalho entusiasticamente). Ironicamente, esta obra que ainda era representada quando Mozart morreu de febre pneumónica nesse mesmo ano, não foi concebida para ganhar dinheiro, de que Mozart necessitava desesperadamente ao ponto de se sujeitar a estranhas encomendas (o Requiem, K626). Foi a sua forte convicção maçónica que o fez consagrar o seu tempo de trabalho, e alguma da sua melhor arte, nesta ópera. A Flauta Mágica que é hoje a ópera de Mozart mais apreciada e representada. Uma forma sublime de dar um recado...

Parte 2. Contexto Histórico

A vida de Mozart, e concretamente a sua obra Die Zauberflöte, coincide com uma franca explosão de maçonaria mundial, mas também da sua perseguição..

A Grande Loja de Londres foi formada em 24 de Junho de 1717, tendo a sua primeira Constituição surgido em 1723 por lavra do Pastor Anderson. Dado que a Grã-Bretanha era vista, nessa fase da história europeia, como a Pátria da Liberdade, e uma vez que se vivia pela Europa fora um clima de abertura que veio a ser conhecido por Século das Luzes, a exportação do modelo da maçonaria especulativa para o continente, nomeadamente para a França, foi quase imediata.

A primeira Loja em Portugal terá surgido por volta de 1727 (dos Hereges Mercantes) tendo-se regularizado em 1735. Já em 1733 foi fundada a Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia que pode ser entendida como a predecessora da Maçonaria Portuguesa de hoje.

Em 1738, quando a expansão da ordem era tal que já surgiam em França as primeiras reformas, como o Rito Escocês de Ramsay, a Maçonaria foi alvo de uma bula de excomunhão dos pedreiros-livres, promulgada por Clemente XII, assustado pelo carácter livre-pensador desta Ordem em exponencial expansão.

Foi em 1742, quando a Loja de Coustos sofreu repressão exemplar pela Inquisição portuguesa que se formou a primeira Loja austríaca, de seu nome Aux trois Canons, formada a partir de uma Loja de Breslau (hoje Wroclaw, na Polónia) Aux trois Squelettes.

A expansão da maçonaria no Império Austro-Húngaro foi rápida, talvez devido ao prestígio emprestado pelo Duque de Lorraine, Francis Stephen, que era maçon desde 1731 e que conseguiu convencer o Imperador Charles VI a ignorar a bula papal.

Francis Stephen viria a ser Imperador, proporcionando à Maçonaria Austríaca uma época dourada que viria a ser ensombrada com a sua morte em 1765. Marie Thérese, sua esposa, assume os destinos do Império, reinando em conjunto com seu filho Joseph II. Apesar deste ser um progressista iluminista, o cerco à Maçonaria iniciou-se desde logo, pois Marie Thérese, por influência do seu catolicismo, era acérrima inimiga da Ordem.

Sendo inicialmente de cariz religioso, cedo as suas objecções se revelaram também políticas: nas Lojas Maçónicas nobres e plebeus eram tratados como iguais, discutindo livremente qualquer tópico, professando diferentes religiões sem discórdia, mantendo elos secretos de solidariedade por vezes transnacional.

A Imperatriz, como muitos soberanos na época, reconheceu na maçonaria um potencial de instigação revolucionária que, como a Declaração de Independência Americana de 1776 veio provar, poderia destronar as velhas nobrezas do poder.

Joseph II, ao que parece ele próprio maçon, era favorável aos princípios da Ordem, tal como se demonstra por uma epístola enviada ao maçon Colloredo, Arcebispo de Salzburg: o Império que dirijo deve ser governado de acordo com os meus princípios: os preconceitos, o fanatismo, a arbitrariedade e a opressão das consciências devem ser reprimidos e cada um dos meus súbditos deve ter direito às liberdades que lhe pertencem.

Todavia, mesmo reinando sozinho desde 1780, os acontecimentos dos últimos anos e as informações alarmistas da polícia secreta fizeram com que o Imperador tentasse refrear a Ordem Maçónica, que só em Viena teria já mais de mil adeptos.

Violando claramente essa sua alardeada vontade de respeitar as liberdades de seus súbditos fez publicar, a 28 de Março de 1781, um decreto que viria a ser um golpe mais eficaz que as bulas de Clemente XII (1738) e Benedicto XIV (1751), uma vez que quebrou a regularidade das Oficinas do Império: nenhuma ordem espiritual ou secular pode submeter-se à autoridade estrangeira nem essas ordens poderão pagar tributos a outra entidade que não a Monarquia.

A constituição da Grande Loja da Áustria, em Abril de 1784, não conseguiu travar o declínio iniciado. A 22 de Abril de 1784 havia 17 lojas na Áustria, 7 na Boémia, 12 na Hungria, 17 na Bélgica e 4 em Lamberg (Galiza). Dessas, algumas delas, como a Verdadeira Concórdia do mineralogista Ignaz von Born, tinham mais de 200 elementos.

Foi nesse ambiente que Wolfgang Amadeus Mozart foi iniciado a 14 de Dezembro de 1784 na Loja da Beneficência (Viena), tendo passado a Companheiro a 7 de Janeiro de 1785.

As suas relações com a Maçonaria datam, pelo menos, de 1773 quando aceitou o pedido do maçon F.A. Mesmer (cientista conhecido pelos seus trabalhos sobre o magnetismo animal) para musicar um texto do também maçon Gebler. A obra denominava-se Thamos, Rei do Egipto, cuja acção decorre na época em que lendariamente se atribui a fundação da Maçonaria. A egiptologia estava nessa altura intimamente ligada à maçonaria, como o surgimento do Rito Egípcio de Cagliostro demonstra.

É também curioso que, em Novembro de 1777, Wolfgang assine uma carta para uma prima sob o pseudónimo W. Amadé Rose-Croix. Outros indícios da sua proximidade são as conhecidas relações com os Mesmer ou o conde van Swieten, ou ainda a sua participação em actividades paramaçónicas como os Concertos dos Amadores. Há ainda a assinalar uma certa adesão de linguagem, demonstrada numa carta enviada ao Padre Martini em 1776 em que refere a necessidade de nos iluminarmos mutuamente e de nos empenharmos no progresso das Ciências e das Belas-Artes.

A Loja a que Mozart pertenceu estava bem dentro desse espírito. Sabe-se que era constituída por Príncipes, Condes, Barões, altos funcionários públicos, oficiais militares, diplomatas, escritores, músicos, banqueiros e comerciantes, e que os assuntos versados seriam muito provavelmente políticos e reformistas.

Contudo, o alto nível social dos seus elementos não evitou que em 11 de Dezembro de 1785 o Imperador Joseph II decretasse a redução das Lojas vienenses a 3 e dos seus membros a 180. Como consequência duas Oficinas dessa cidade abateram colunas (S. João e Constância) tendo alguns irmãos integrado a recém-formada Nova Esperança Coroada, constituída a partir das Lojas A Esperança Coroada, A Beneficência e Três Fogos. As restantes três Lojas de Viena, A Verdadeira Concórdia, A Palmeira e As Três Águias formaram sob o malhete de Born uma verdadeira Loja de élite chamada A Verdade. O decréscimo de mais de mil para 360 maçons e as perseguições que se seguiram ditaram que nenhuma das Lojas sobrevivesse à década seguinte.

Mozart empenhou-se ferverosamente na causa maçónica, tendo mesmo composto música ritual e várias cantatas. Ao facto de a partir da morte de Joseph II em 1790, não ter recebido mais encomendas reais, não se alheiam as suas conhecidas inclinações maçónicas. Apesar de Leopoldo II, o sucessor, ter sido Soberano Príncipe Rosa-Cruz na Toscânia, ele encontrava-se atemorizado pelos acontecimentos de 1789 em França, onde estalou uma Revolução sob o mote Liberdade, Iguladade, Fraternidade, identificado com os valores maçónicos. Apesar da Maçonaria Francesa ter sido uma das vítimas preferenciais do Terror (dado que se constituía por muitos membros da aristocracia) a irmã de Leopoldo, Marie Anthoinete, em prisão domiciliária, era peremptória em acusar esta Ordem da instabilidade das monarquias na Europa. Pior do que isso, sabendo que Frederico II da Prússia era, ele próprio, maçon, Leopoldo temia que a Ordem servisse como rede de oposição interna aliada ao inimigo do Norte.

A partir de 1790, Leopoldo II assumiu, receando as consequências da agitação causada pelas várias ordens secretas que operavam no Império Austro-Húngaro (i.e., Illuminati, Estrita Obediência/Templários, Irmandade Asiática, Rosa-Cruz, Lojas de S.João), uma posição ainda mais negativa que o antecessor, a qual viria a ser extremada após a sucessão por Francis II.

Em 1791, a situação da Maçonaria na Áustria era de agonia. W.A. Mozart foi contactado por diversos irmãos para produzir obra que propagandeasse as virtudes da Ordem maçónica. Já em 1785, Mozart tinha composto As bodas de Fígaro, ópera de contornos igualitários, e era-lhe por ora proposto que fizesse uma ópera séria para a coroação de Leopoldo II, em Praga. Por sugestão de alguns irmãos desta cidade, Wolfgang musicou a obra de Metastasio intitulada A Clemência de Tito em que se retrata um Imperador imbuído de valores de tolerância, poupando os seus inimigos, em alusão ao desejo de ver Leopoldo tolerar a existência da Maçonaria.

Nesse ano derradeiro de 1791, Mozart encontrava-se em plena produtividade. A última obra que apresentou em público foi A Flauta Mágica, que ele próprio conduziu. Esta ópera foi composta a partir do libretto de Schikaneder, que era simultaneamente actor e director de um teatro em Viena (Auf der Wieden). Schikaneder, maçon, propôs a Mozart esta ópera, escrita a partir de um texto de Wieland (Lulu e a flauta mágica), a partir do qual foi possível explorar a simbologia maçónica e deixar uma mensagem.

Parte 3. Sinopse Primeiro Acto.

Tamino, ameaçado por uma serpente, grita em vão por ajuda e desmaia.

3 Damas do Reino da Raínha da Noite matam a serpente e admiram a beleza da juventude inconsciente.

Papageno caça pássaros para a Raínha, mas quando se gaba de ter morto a serpente é castigado pelas 3 Damas que o amordaçam.

Quando Tamino acorda, mostram-lhe o retrato de Pamina, filha da Raínha, e ele apaixona-se.

Com um raio, a Raínha aparece e promete a Tamino a mão da filha desde que este a salve das garras do maléfico Sarastro.

As 3 Damas libertam Papageno da mordaça e dão-lhe um conjunto de sinos mágicos. A Tamino dão uma flauta mágica, para que este se defenda dos perigos a caminho do Castelo de Sarastro, a que será conduzido pelos 3 Rapazes.

No palácio de Sarastro, Papageno encontra Monostatos, que capturou Tamina, que tentava fugir, e que ameaça seduzi-la. Papageno e Monostatos assustam-se mutuamente, julgando ver o demónio.

Entretanto, os 3 Rapazes levam Tamino aos 3 Templos (da Natureza, da Razão, da Sabedoria).

Fascinado pela solenidade do local, Tamino apercebe-se que Sarastro afinal não é uma besta horrenda mas antes o Sumo Sacerdote do Templo da Sabedoria. Afinal Pamina está viva e não corre perigo!

Então convoca Papageno com a Flauta Mágica. Eles ouvem-se mas não se conseguem encontrar.

Pamina e Papageno fogem de Monostatos e seus escravos que os tentam aprisionar. Papageno, usando os sinos mágicos hipnotiza os escravos que deixam de os perseguir.

Entra Sarastro.

Pamina ajoelha-se e pede perdão pela fuga, enquanto Monostatos apresenta Tamino cativo.

Mas Sarastro fala docilmente aos enamorados mas anuncia que terão de ser purificados antes da união.

Como prémio, Monostatos recebe 77 vergastadas.

Segundo Acto.

Sarastro informa os Sacerdotes reunidos que deseja fazer de Tamino sacerdote e que o submeterá ao ritual iniciático. Foi por ele que raptou Pamina à mãe, pois os deuses destinavam-na a Tamino. Os Sacerdotes mostram o assentimento com 3 sopros de trombetas, e sarastro reza aos Deuses para que o espírito da sabedoria esteja neste par.

Tamino recebe as instruções de Sarastro obrigando-se ao silêncio e mantém-se firme quando as 3 Damas o tentam profetizando a desgraça. Só com dificuldade consegue evitar que Papageno fale. Este acompanha-o nas provas mas a estrada da purificação está-lhe vedada.

Monostatos, que rapta Pamina é surpreendido pela Raínha da Noite. Esta, dá um punhal a Pamina para que mate Sarastro. Monostatos apanha o punhal e força-a à rendição quando Sarastro intervém salvando-a.

Os 3 Rapazes conduzem Tamino a Pamina. Esta fica desiludida porque Tamino não lhe fala, pois mantém-se fiel ao juramento.

Sarastro exige mais um sacrifício a Tamino: que se despeça de Pamina.

Tamino, no caminho da purificação, é interrompido por Papageno e pela sua Pamina, disfarçada de velha para o tentar.

Os 3 Rapazes anunciam a chegada da manhã e salvam Pamina que estava prestes a cometer suicídio com o punhal.

Feliz, é autorizada a seguir Tamino nas provas do fogo e da água, os últimos marcos no caminho de provações.

Papageno, é também reunido à sua Papagena.

Pela última vez, os poderes das trevas reúnem-se e tentam extinguir a Luz. A raínha da Noite, as 3 Damas e Monostatos forçam a sua entrada no Templo, sedentos de vingança. Mas desaparecem numa explosão de raios e trovões e o Templo do Sol brilha na sua glória.

Parte 4. Breve Interpretação

É frequente ouvir comentar a Flauta Mágica como sendo uma peça ingénua, sem mensagem, de pobre conexão cénica. Todavia, em toda a sua idade adulta, Mozart nunca apresentou uma peça desprovida de significado. É, portanto, de esperar que os comentários que menorizam a grande ópera de Mozart sejam, eles sim, de uma profunda ingenuidade.

A aparente futilidade da história serve os intentos de quem quer falar publicamente de um assunto mas que deseja ser ouvido em dois registos, um profano, a que se destina a historieta de amor de contornos fantásticos, e outro iniciático, contextualizado com a simbologia da Real Arte. Goethe traduziu essa intenção da Flauta Mágica afirmando que é suficiente que o público ache prazer no espectáculo: ao mesmo tempo a sua alta significação não escapará aos iniciados.

A Flauta Mágica provém de uma evolução temática de Mozart, iniciada na infância com a peça An der Freude (que compôs com 12 anos) sobre um texto maçónico, materializada em Thamos, Rei do Egipto, onde se aborda a temática da fundação da Maçonaria, e se consolida em obras como As bodas de Fígaro, A Clemência de Tito ou Zaide.

Se sabemos que Schikaneder assinou o libreto, não podemos ignorar que este não poderia ser responsável pela alta coerência da simbologia, uma vez que havia sido expulso da sua loja de Ratisbona, Karl zu den drei Schluessen, nunca tendo sido readmitido. Sabemos também que, quase 30 anos passados, aparece Johann Georg Metzler, jurista, minerólogo e actor, a reclamar a autoria das partes sérias desta obra. E, reconhece-se a profunda influência do Venerável Ignaz von Born na concepção e contextualização da obra. Isso implica a supervisão directa do próprio Mozart, única pessoa que tinha acesso aos três ideólogos conhecidos da obra.

Na Flauta há diferentes planos sobrepostos e a análise de um único plano peca por defeito. Assim, passaremos a analisar esta obra, encontrando muitas vezes significados distintos mas concomitantes.

É notório o aparecimento de temas subtis recorrentes em Mozart como a igualdade entre os sexos (Cosi fán tuti). Assim, uma primeira interpretação desta obra poderia levar a que se julgasse ser apenas uma referência à luta entre sexos. A Raínha-da-Noite, elemento feminino representaria a ignorância, de que Pamina se liberta por casamento, enquanto Sarastro representaria a sabedoria. Poder-se-ia nesse sentido interpretar a obra como defensora de duas posições opostas: as mulheres ignorantes e incapazes de chegar aos segredos ou, pelo contrário, Pamina representando a redenção do sexo feminino, apresentada em igualdade com Tamino na cena final da ópera. Esta interpretação é pertinente e, seguramente, um dos objectivos a que Mozart se propõe. Registos históricos demonstram que a polémica do papel das Lojas de Adopção ou Ritos Femininos estava bem acesa e que a Grande Loja Austríaca era uma das organizações mais favoráveis a uma participação feminina não decorativa. É também desse tempo o surgimento do Rito de Cagliostro, misto, do qual Mozart bebeu alguma simbologia egípcia. O início do Acto I faz uso de simbologia das Lojas de Adopção (Ordem de Mopses): a serpente, os pássaros, o aloquete. O número de Damas (3) significa que estas são iniciadas, o que justifica que se oponham ao mundo tradicional da maçonaria (representado pelos 3 rapazes).

Uma outra interpretação, de elevada coerência, foi proposta em meados do século passado pelo célebre teólogo Moritz Alexander Ziller, maçon proveniente de Leipzig, que reconheceu nas personagens alguns tipos da conjuntura de 1790. Segundo esta interpretação, Sarastro representa um dos mais importantes Mestres Maçons, o então recém-falecido Ignaz von Born, Tamino representaria o Imperador Joseph II, Pamina o povo austríaco, pelo qual Joseph II combateria a falaciosa protecção da Raínha-da-Noite, Imperatriz Marie Thérese. Outras personagens foram desta forma identificadas: p.ex., Monostatos seria um maçon renegado chamado Hoffmann. Se esta interpretação parece acertada, parece que a simbologia desta ópera não se esgota aí.

Uma curiosa interpretação refere-se aos quatro elementos pitagóricos e a um incessante jogo de espelhos, como se se tratasse de um mosaico. Neste texto, existem claros pares de opostos: Tamino representa o Fogo e Pamina a Água, Papageno representa o Ar e Monostatos a Terra. Com estes interagem os símbolos Solar e Lunar, respectivamente Sarastro e a Raínha-da-Noite. Ou os elementos masculino e feminino: a futilidade feminina de Papageno e a bestialidade viril de Monostatos, Sarastro contra a Raínha ou os Três Rapazes contra as Três Damas.

Este jogo de reflexos é associado pelos iniciados à dualidade entre as colunas Jakin e Booz, sob as quais são representados, respectivamente, Osíris e Ísis, Masculino e Feminino, Sol e Lua, Dia e Noite, Fogo e Água, Ouro e Prata, Activo e Passivo, 5 e 3, Vermelho e Branco, Elucidação e Discurso, Maçonaria de Hirão e Ordem de Mopses (adopção).

Das interpretações já apresentadas, a história da Flauta apresenta-se como a rebelião contra o sexo forte, protagonizada pela Raínha que pretende obter o ceptro solar (o segredo da maçonaria masculina) na posse do Grão-Mestre Sarastro (símbolo da ordem masculina). O início da obra corresponde a um mundo de desordem: o negro Monostatos, o Corvo, está entre os puros enquanto Pamina, a Pomba, está entre os vís.

No decorrer da obra, caminho iniciático, Pamina é raptada ao mundo da noite, num dia de Primavera (esperança), de um jardim de ciprestes (referência à morte). A sua tentativa de fuga ao poder de Sarastro termina num jardim de palmeiras (referência à ressurreição).

Por conseguinte, há dois caminhos iniciáticos paralelos: o de Tamino, iniciação tradicional, e Pamina, semi-iniciação (de adopção). É notável a pista que nos é dada, provando esta interpretação, quando os amantes se submetem juntos às provas do Fogo e da Água.

Nesse contexto, a obra termina precisamente com a chegada de uma idade de ouro, uma nova ordem, em que Tamino e Pamina se casam, representando o seu casamento um nivelamento ritual e uma vitória da ordem sobre o caos(...).

Nenhum comentário: