sábado, 12 de abril de 2008

BAGAGEM



Valdemar Sansão(*)

“Um homem não é grande por aquilo que ele fez e sim por aquilo a que ele renuncia”!

Acontece que na grande maioria dos casos, a busca a esse “status”, e a luta pela riqueza e o prestígio, acabam afastando o homem de um outro desenvolvimento tão importante quanto o progresso material: o desenvolvimento espiritual, e, principalmente, a assumir responsabilidades diante das nobres e altruísticas missões que nos aguardam em prol do bem comum.

É importante, pois, que todos nós saibamos encontrar uma fórmula, que nos permita escapar desse roteiro constituído de trabalho profissional, preocupação financeira e conquista de espaços nas colunas sociais. O homem que deseja progredir em relação ao seu desenvolvimento espiritual – e principalmente o Maçom que deve desbastar a Pedra Bruta – precisa ter em conta que a bagagem para a Grande Viagem não é a mesma que se leva quando de roteiros de negócios ou turismo. É preciso que tenhamos isso em mente! Não apenas em alguns momentos de reflexão, mas em cada minuto do dia. É preciso que o homem se localize como fiel da balança, sabendo até onde deve ser conduzido pelos seus desejos mundanos, naturais, de progresso material e até onde precisa levar sua vida, construindo um destino que, ao final, venha somar em seu crescimento espiritual.

Vejamos o que pode nos acontecer num encontro mais ou menos assim:

Ao fim de um dia estafante, de um dia de rotina, o homem procurou repousar e rapidamente dormiu. Dormindo, em sonho, ele pressentiu a presença de alguém. Era um estranho personagem que, dirigindo-se a ele, disse-lhe que se preparasse, porque a qualquer momento deveria viajar.

- Arrumai a mala!... – falou o estranho.

Embora aturdido pela nova situação e mesmo confuso e sem poder raciocinar direito, como um autômato, o homem começou a juntar tudo que tinha e que poderia levar com ele. À sua frente, o estranho personagem observava de perto os gestos do importante homem de negócios. Abriu a mala com um gesto quase automático, e começou a juntar suas coisas: roupas, livros, troféus, sapatos, diplomas e tantas coisas. Silente, o estranho apenas observava. E o homem foi colocando mais coisas na mala: um álbum de fotografias – onde estavam suas lembranças queridas; retratos de antigas namoradas; cartões de visita do seu grande círculo de amizades, etc, etc. – Ah! E o talão de cheques! Como esquecê-lo? Junto com o talão, apanhou seus cartões de crédito, colocando-os no bolso interno do traje branco, junto aos seus documentos pessoais e dinheiro vivo, em moeda corrente. Por um instante, levantou os olhos e viu o estranho que continuava ao seu lado, olhando aquela cena toda. O estranho sorriu, sacudiu a cabeça e disse:

- Nesta viagem não precisas de nada disso. O supérfluo deve ficar e contigo deves conduzir apenas aquilo que é realmente importante. O homem transpareceu surpresa no olhar e falou:

- Mas como? Roupas, dinheiro, calçados, documentos, cheques, nada disso é importante? Não estou entendendo!

- Verdade – retrucou o estranho – disseste-o muito bem. Nesta viagem que farás nada disso é importante. E constatando o olhar surpreso do homem, o estranho continuou falando calma e tranqüilamente. E disse que esta é uma viagem diferente. Tão diferente que, apesar de nem saber quando seria, o homem já deveria ir se preparando desde agora. E não poderia levar coisas que não fossem realmente importantes e necessárias. Sua voz continuava tranqüilamente a esclarecer:

- Não precisaras ocultar a nudez do teu corpo. Não precisaras de livros para ler, pois nada mais poderás aprender nos livros que possuis. Os teus sapatos não terão qualquer serventia, posto que não andarás mais na terra nem pisarás mais o chão.

Os teus troféus e as tuas medalhas não terão qualquer valor para onde vais. Nem tampouco diplomas te serão pedidos. As tuas fotografias nada mais significarão para ti e outras serão tuas lembranças. Deves esquecer conquistas sem finalidade, e nem todos os cheques de todos os bancos do universo comprarão sequer um banco rústico onde possas sentar. Para onde tu vais, o teu dinheiro não vale nada!

- Mas minhas roupas de alto valor? Meu “smoking”? Meu terno branco de tanto gosto? – perguntou o homem.

- Nada disso importa! – Não deves te preocupar com a brancura do teu terno, mas sim com a alvura da tua alma, a branco pureza que deve vestir o teu espírito...

Nesta altura do diálogo, o homem sentiu-se envolver por uma aura de luz dourada que chegava até eles, sem que se pudesse perceber de onde. Então, sem entender bem porquê, o homem começou a tirar toda aquelas coisas da mala, que logo ficou vazia.

- Para que a mala? – pensou ele, perguntando em seguida – Apesar de teres dito para arrumar a mala, ei-la vazia, sem razão de ser e sem finalidade. Que querias dizer quando ordenaste que eu arrumasse a mala?

- Quando te mandei arrumar a mala, não me entendeste! Eu me referia a que reuniste tudo de puro e de bom que teus sentimentos abrigam na bagagem do teu espírito, no recesso do teu coração. Eu pedia que reunisse num somatório, todos os gestos de amor que praticaste até aqui; toda a palavra de perdão que proferiste; todo o amor fraterno que ofereceste aos teus Irmãos; toda a fome que ajudaste a mitigar, a sede que saciaste, o corpo de alguém que agasalhaste; toda a palavra que proferiste para educar, ensinar, guiar, esclarecer e proteger. Esta, apenas esta, é a bagagem que deves reunir. Esta mala que está ao teu lado, não tem qualquer serventia a não ser aqui. A outra, a mala que te mandei arrumar, é a mala do coração e da mente.

No faiscar de um instante, num relance, o homem compreendeu que a viagem que deveria fazer seria para além do mundo material. Galgaria os céus, ou quem sabe, desceria aos infernos. Subiria á culminância das estrelas, num encontro fatal com os anjos portadores da balança da Lei e, depois, quem sabe onde iria parar. No recesso da Casa do Pai ou nas profundezas abismais das trevas e do medo.

- Então, a minha viagem é agora – falou. O suor deslizava pela sua testa e se precipitava no abismo de suas faces. Sua voz estava rouca. A garganta estava seca. E o homem fez um esforço e disse:

- Vou morrer?

O estranho sorriu e respondeu tranqüilizando o homem.

- Não! A tua viagem não é agora. Mas poderá ser no próximo minuto, dentro de alguns dias, talvez semanas, quem sabe dentro de muitos anos, ainda. Mas ouve o meu conselho: não deixa para arrumar tua bagagem no minuto anterior à partida. Não! Deves cuidar dos teus bens (se é que possui algum) agora. Prepara-te com antecedência. Mesmo porque não poderás saber quando chegará o momento do céu se abrir e as trombetas dos anjos anunciarem que a tua viagem está começando. Que não sejas pego de surpresa. Que não viajes despido e sem nada. Porque se assim o fizeres, certamente terás que retornar para recuperar o que perdeste e para construir o que não edificaste. E o que é bem pior, voltarás para trocar teus valores e, então sim, encontrareis o teu tesouro. Cuida-te, pois! Construir na matéria a finalidade maior da vida terrena, esquecendo que acima de tudo isto existe a essência Maior, que conduz à morada espiritual na Casa do Pai, é um trágico e amargo engano que a maioria dos homens comete. Pára e medita. Traça um paralelo entre a vida do homem espiritual em seu manancial de verdadeira Luz e Sabedoria. Se as trombetas tocassem agora e os anjos chamassem teu nome, terias pronta a bagagem para a grande viagem?

(*) Valdemar Sansão
E-mail: vsansao@uol.com.br
Fone: (011) 3857-3402

Bibliografia: Coletado no trabalho: “O Estranho” do Ir.’. Tibiriçá Freitas (A TROLHA Mar-Abril/90)

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