sábado, 12 de abril de 2008

CUNHADAS... QUEM SÃO ELAS?

Valdemar Sansão (*)

“Disse mais o SENHOR DEUS: Não é bom que o homem esteja só: far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea”.
(Gênesis 2:18)

O ingênuo episódio da criação de Eva é apenas uma forma imaginosa de proclamar, desde o início, a igualdade dos sexos em termos de dignidade humana, e de explicar a natural atração mútua e o íntimo relacionamento que sempre deveria haver entre o homem e a mulher.

As características anatômicas, fisiológicas e psicológicas que distinguem os homens das mulheres – e os capacitam para as respectivas funções especificas – de nenhum modo determinam desnível de nobreza entre os sexos, sob o ponto de vista de seres humanos. Entretanto, salvo nos raros casos de matriarcado, a mulher, de nenhum modo geral, sempre foi mantida em posição inferior.
Basta lembrar, como exemplo, que o movimento sufragista iniciado no fim do século XIX, e que defendia o direito ao voto para as mulheres, só conseguiu êxito completo em 1928.
Os múltiplos efeitos das duas grandes Guerras Mundiais é que deram ensejo, facilidade e incremento à ascensão da mulher em todos os setores e níveis da ordem social – a tal ponto ela hoje concorre com o homem em todos os campos.
Mas, até nas épocas passadas, em que seu status oficial era inferior, houve mulheres, mesmo de origem humilde, que souberam impor-se à admiração e ao respeito dos homens que as cercavam; mulheres que dirigiam a História, ou que nela se inseriram com tal relevo que acabaram consideradas imortais. Catarina de Médicis, Lucrécia Bórgia, Catarina da Rússia, Messalina, Carlota Corday, Sarah Bernhardt, Mata Hari, Madame Du Barry, Cleópatra, Anita Garibaldi. Marie Curie, Teresa d’Avila, Joana D’Arc, Maria Antonieta, Maria Tudor, Ana Bolena, Mary Stuart, Madame de Staël e Madre Teresa de Calcutá foram algumas delas. Várias sobressaíram por suas qualidades; outras, por seus pecados.
As boas ações se alicerçam no amor que brota naturalmente do âmago feminino, consubstanciado na própria maternidade, no acalanto e na amamentação. A mulher é a guardiã da vida, e o seu coração, quando não ferido, é o seu órgão supremo. No entanto, se profundamente magoado, provoca ações avassaladoras, como se comprova na história de algumas mulheres imortais acima citadas.

O livro bíblico de Provérbios, em seu Capítulo 31 – ao falar sobre a mulher virtuosa – diz, entre outras considerações, “que o seu valor é superior ao das pérolas. Quando nela confia o coração de seu marido, jamais lhe faltará nada. Ela lhe proporciona o bem, nunca o mal,em todos os dias de sua vida.
Estende os braços ao infeliz e abre a mão ao indigente. Seu marido é considerado nas portas da cidade, quando se senta com os anciãos da terra. Abre a boca com sabedoria e amáveis instruções surgem de sua língua. Seus filhos se levantam para proclamá-la bem-aventurada, e seu marido tem prazer ao elogiá-la”.
A Maçonaria, no grande momento da recepção de seus candidatos, lembra-se da Mulher, numa homenagem Justa e sincera.
Tanto que a “Ordem dos Homens Livres” não se restringe a entregar somente um par de luvas brancas ao Iniciado; entrega um outro par de luvas que são destinados àquela que mais direito tiver à estima e afeto do irmão.
Não se esquece que a Mulher, seja moça, seja idosa e encanecida, como esposa, ocupa o lugar de honra e de destaque que lhe é destinado na família, como centro de atenções e rainha do lar. É sempre quem distribui consolações, promove alentos e distribui conforto, tanto nas horas felizes da família, como nas atribulações e nos desfalecimentos na vida do Irmão Maçom. Vemo-as sempre com as mãos estendidas, corações abertos à bondade e à fraternidade, que quer nos ajudar, nos animando e sustentando nas dificuldades da escalada. Elas, as Cunhadas, sentem e compreendem a luta da vida, mais do que ninguém, empreendendo uma batalha imensa, conjunta, para que todos, especialmente nosso Irmão, galgue mais um degrau na Evolução.
Um provérbio persa diz: “Não firas a mulher nem com a pétala de uma rosa”.
A Maçonaria reforça esse ditado ainda mais: “e nunca firas a mulher com um lampejo de pensamento”. Seja ela moça ou idosa, formosa ou feia, má ou bondosa, delicada ou áspera, sabe ser sempre o segredo do Grande Arquiteto do Universo. É incansável colaboradora de Deus no seio da humanidade. À margem de todas as filosofias está a vida. E a perpetuação da vida foi confiada pelo “Ser dos Seres”, à mulher.
A Maçonaria nas suas leis, estatuiu: “Respeita a mulher, nunca abuse de sua fraqueza; defende sua honra e sua inocência”.
O nível de igualdade em que a Maçonaria coloca o homem e a mulher, destinando a cada um, um par de luvas brancas, cimenta a certeza dos nobres exemplos transportados aos seus Obreiros, cônscios das responsabilidades assumidas perante as Assembléias de Maçons que o recepcionaram.
Portanto, tal homenagem é, sob todos os aspectos, mais que procedentes.
E que os maridos saibam cultivar a pérola preciosa que Deus lhes confiou, pois com ela será muito mais fácil o desempenho da sua missão, como Maçom, de trabalhar para a construção da Sociedade Humana.


(*)
Ir.’. Valdemar Sansão
E-mail: vsansao@uol.com.br
Fone: (011) 3857-3402


Consultas:
- Grande Enciclopédia Larousse Cultural;
- Internet;
- Rituais Especiais (GLESP)

KOSOVO, RORAIMA E PROTETORADOS

Nilder Costa (*)

Poucos discordam que a auto-declaração unilateral de independência do Kosovo constitui uma séria ameaça às relações internacionais. O governo brasileiro anunciou que só a reconhecerá quando resultar de um acordo político com a Sérvia, sob a condução das Organizações das Nações Unidas (ONU), por temer um ‘efeito cascata’ mundo afora, em especial nos países com população fragmentada. O chanceler Celso Amorim revelou as preocupações brasileiras com o processo ao reclamar que as Nações Unidas foram colocadas em ‘segundo plano’ pelos países que já reconheceram a independência do Kosovo. [1]

Já o presidente russo Vladimir Putin foi mais incisivo e ameaçou a União Européia e a OTAN de usar a força na região, alertando que a independência do Kosovo é um precedente terrível que se voltará contra os países ocidentais: ‘Este precedente do Kosovo acabará destruindo todo o sistema de relações internacionais, desenvolvido não por décadas, mas por séculos. [2]

Como pano de fundo desse processo se encontra a aplicação de um impiedoso ‘princípio das etnias’ em lugar do tradicional ‘princípio da cidadania’, segundo o geógrafo Demétrio Magnoli, para quem a atual ‘balcanização dos Bálcãs’ é um fruto direto da existência da União Européia e das estratégias políticas dos governos dos EUA e das potências da Europa:

Montenegro, que declarou sua independência da Sérvia há dois anos, começou a inventar-se como nação étnica em 1993, fabricando às pressas um passado autônomo e uma língua nacional. A sua soberania não passa de uma casca vazia, preenchida pelo conteúdo emprestado das instituições e da moeda da União Européia. Kosovo nasce agora como mais um protetorado da União Européia, defendido por tropas européias, estabilizado por policiais europeus e dotado de um corpo de leis escrito por um exército de juristas enviado por Bruxelas.[3]

O ‘princípio das etnias’ é o mesmo que vem sendo utilizado para justificar a criação de imensas reservas indígenas no Brasil. Não cabe neste espaço analisar o assim chamado etnonacionalismo como fase superior de um indigenismo que ameaça desencadear um processo similar de ‘balcanização’ em nosso País (ver o capítulo “A carta ‘indigenista’ contra o Estado nacional” do livro “Máfia Verde 2: ambientalismo, novo colonialismo”, Capax Dei Editora, 2005), com destaque para o conflituoso processo em curso para a demarcação da reserva indígena Raposa-Serra do Sol, em Roraima.

Existem fortes indícios que a Polícia Federal se prepara para desencadear uma verdadeira operação de guerra para desalojar arrozeiros e outros segmentos da população que se recusam a ser ‘desintrusados’ da área da reserva, homologada pelo presidente Lula à revelia do governo e da sociedade roraimense, do Congresso Nacional e do Exército Brasileiro, apenas para citar alguns. De fato, como já analisado por este Alerta, o imbróglio causou mesmo uma crise militar no governo Lula. [4]

Em um quadro mundial onde as relações internacionais se decompõem rapidamente, não faltam as evidências que poderosos estratos do Establishment anglo-americano movem seus pauzinhos para ampliar ainda mais a sua hegemonia no Caribe que, sob sua ótica geoestratégica, inclui a riquíssima Ilha de Guiana, formada pelo Oceano Atlântico e os rios Orenoco, Cassiquiare, Negro e Amazonas, onde Roraima ocupa uma posição central.

Dentre outras manobras, passou quase despercebida a tentativa dos EUA, em 2004, de estabelecer no Haiti uma espécie de protetorado baseado exatamente no precedente da região de Kosovo onde, na ocasião, o Exército de Libertação do Kosovo (ELK) que, mesmo acusado de manter vínculos com a ‘Máfia Albanesa’, se metamorfoseava em uma força policial ‘legal’ sob os auspícios da ONU. Quem fez a denúncia foi o respeitado jornalista canadense Anthony Fenton ao revelar que a Agência de Desenvolvimento Internacional dos EUA (USAID) estava empregando elementos do ELK como ‘assessores’ na reintegração de militares do antigo Exército haitiano, desmobilizado pelo ex-presidente Jean-Bertrand Aristide. [5]
Mais recentemente, o governo da Guiana retornou, na prática, à sua condição colonial ao permitir que a sua antiga metrópole - o
Reino Unido - se encarregasse de gerenciar as suas florestas a câmbio de um pacote financeiro para o ‘desenvolvimento sustentável’ do País, configurando assim o surgimento de um novo tipo de protetorado
pós-moderno, o ‘ambiental’. A partir dessa nova posição privilegiada, a visão de uma Raposa-Serra do Sol ‘desintrusada’ açularia o velho apetite do ex-Império Britânico para conquistar, um século depois, aquela parte do território brasileiro que reivindicara como sendo seu, mas que não levou na ocasião (caso Pirara). [6]

Outrossim, não há que perder-se de vista a ainda fresca visita do presidente Nicolas Sarkozy à Guiana Francesa - departamento ultramarino francês onde se localiza o estratégico Centro Espacial de Kourou – para selar, com o presidente Lula, o acordo para a construção de uma ponte internacional entre os dois países, que muitos interpretam como um claro movimento para criar um pólo de atração geoeconômico francês em uma região onde a presença brasileira é rala e desconectada do restante do País.

Mas quiçá o mais preocupante é a ostensiva atuação da mesma USAID na região, por meio do seu famigerado programa Iniciativa para Conservação da Bacia Amazônica (ABCI, na sigla em inglês), onde não oculta o propósito de recrutar povos indígenas, "populações tradicionais" e ONGs nacionais e estrangeiras para criar uma rede que em nada difere de um exército de ocupação pós-moderno a serviço de um esquema de "governo mundial" controlado por grupos hegemônicos do Establishment anglo-americano. Tal ofensiva foi denunciada no memorando ‘USAID planeja a ocupação da Amazônia’, publicado por este Alerta em maio do ano passado, do qual destacamos o trecho e o mapa abaixos:

Por outro lado, um número crescente de organizações indígenas amazônicas reconhece que o sucesso na luta por terra significa pouco se estas terras não forem administradas efetivamente. Por toda a Bacia Amazônica, especialmente no Brasil, vários movimentos indígenas estão sofrendo a transição da luta por terra para a administração de seus territórios, que exige uma série de competências diferentes. Este programa [ABCI] busca responder ao desejo das organizações indígenas amazônicas para apoio no fortalecimento de sua efetividade.

Portanto, a ação da USAID propõe uma "gestão ambiental de terras indígenas", especialmente nessas áreas de fronteira, para dar capacidade às organizações indígenas de determinar as políticas de "distribuição de direitos sobre os recursos naturais". Ou seja, a intenção é que as organizações indígenas controladas pela rede de ONGs internacionais possam definir a utilização dos recursos minerais ou energéticos.

No caso, a estratégia visa fortalecer a capacidade de "pelo menos 20 federações indígenas amazônicas". Além disto, o "treinamento in situ e a capacitação focalizarão áreas que estas organizações identificaram como estrategicamente vitais".

Áreas transfronteiriças de interesse para a USAID onde se destaca Roraima (no. 2)

A todas as luzes, se o Brasil não acordar para esse perigo geoestratégico que se desenha em Roraima, corre o sério risco de ver inaugurado, em trecho do seu ex-território, um outro tipo de protetorado pós-moderno: o indígena.


(*)Nilder Costa - Jornalista

Artigo publicado em http://www.alertaemrede.inf.br em 26 de fevereiro de 2008


Notas:
[1]Brasil só reconhece Kosovo se houver acordo com Sérvia, Agência Estado, 22/02/2008
[2]Kosovo: Rússia ameaça UE e Otan de usar força, O Globo, 23/02/2008
[3]Etnia ou cidadania, O Globo, 21/02/2008
[4]A batalha de Roraima, Alerta Científico e Ambiental, 15/09/2007
[5]Haiti: "modelo Kosovo"?, Resenha Estratégica, 20/11/2004
[6]Uma lição inglesa para Roraima, Alerta Científico e Ambiental, 28/11/2007

Protetorado: território ou país que, no direito internacional, possui certos atributos de Estado independente, porém, sob outros aspectos, está subordinado a uma potência que decide sua política externa e tem a obrigação de o proteger e, às vezes, controla internamente seu governo, seu judiciário e suas instituições financeiras (Dicionário Houaiss)

FLAUTA MÁGICA de Amadeus Mozart

Autor Desconhecido

Parte 1. O contexto

Corria o Verão de 1791. Consta-se em Viena que o Imperador Leopoldo II, sucessor do vanguardista José II, pretende proíbir a Maçonaria. Mozart, que pertencia à Loja Esperança Coroada, conhecida por ser um dos grupos mais progressistas do seu tempo, decide escrever uma ópera a criticar essa atitude do soberano.

Juntamente com outros dois maçons (Schikaneder, brilhante actor, e Giesecke, futuro professor de Mineralogia na Universidade de Dublin) prepara A Flauta Mágica, peça de ópera fantástica em que um enredo caricatural esconde simbologia maçónica. Mozart sabia que Leopoldo II, homem de grande cultura, perceberia a mensagem. Contudo, escreveu uma ópera dirigida ao grande público e não ao pequeno círculo daqueles que poderiam descodificar a obra. Prova-o o número de representações e o sucesso destas, mesmo contra as críticas azedas de alguns eruditos da época (exceptua-se, por exemplo, Salieri que aplaudiu este trabalho entusiasticamente). Ironicamente, esta obra que ainda era representada quando Mozart morreu de febre pneumónica nesse mesmo ano, não foi concebida para ganhar dinheiro, de que Mozart necessitava desesperadamente ao ponto de se sujeitar a estranhas encomendas (o Requiem, K626). Foi a sua forte convicção maçónica que o fez consagrar o seu tempo de trabalho, e alguma da sua melhor arte, nesta ópera. A Flauta Mágica que é hoje a ópera de Mozart mais apreciada e representada. Uma forma sublime de dar um recado...

Parte 2. Contexto Histórico

A vida de Mozart, e concretamente a sua obra Die Zauberflöte, coincide com uma franca explosão de maçonaria mundial, mas também da sua perseguição..

A Grande Loja de Londres foi formada em 24 de Junho de 1717, tendo a sua primeira Constituição surgido em 1723 por lavra do Pastor Anderson. Dado que a Grã-Bretanha era vista, nessa fase da história europeia, como a Pátria da Liberdade, e uma vez que se vivia pela Europa fora um clima de abertura que veio a ser conhecido por Século das Luzes, a exportação do modelo da maçonaria especulativa para o continente, nomeadamente para a França, foi quase imediata.

A primeira Loja em Portugal terá surgido por volta de 1727 (dos Hereges Mercantes) tendo-se regularizado em 1735. Já em 1733 foi fundada a Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia que pode ser entendida como a predecessora da Maçonaria Portuguesa de hoje.

Em 1738, quando a expansão da ordem era tal que já surgiam em França as primeiras reformas, como o Rito Escocês de Ramsay, a Maçonaria foi alvo de uma bula de excomunhão dos pedreiros-livres, promulgada por Clemente XII, assustado pelo carácter livre-pensador desta Ordem em exponencial expansão.

Foi em 1742, quando a Loja de Coustos sofreu repressão exemplar pela Inquisição portuguesa que se formou a primeira Loja austríaca, de seu nome Aux trois Canons, formada a partir de uma Loja de Breslau (hoje Wroclaw, na Polónia) Aux trois Squelettes.

A expansão da maçonaria no Império Austro-Húngaro foi rápida, talvez devido ao prestígio emprestado pelo Duque de Lorraine, Francis Stephen, que era maçon desde 1731 e que conseguiu convencer o Imperador Charles VI a ignorar a bula papal.

Francis Stephen viria a ser Imperador, proporcionando à Maçonaria Austríaca uma época dourada que viria a ser ensombrada com a sua morte em 1765. Marie Thérese, sua esposa, assume os destinos do Império, reinando em conjunto com seu filho Joseph II. Apesar deste ser um progressista iluminista, o cerco à Maçonaria iniciou-se desde logo, pois Marie Thérese, por influência do seu catolicismo, era acérrima inimiga da Ordem.

Sendo inicialmente de cariz religioso, cedo as suas objecções se revelaram também políticas: nas Lojas Maçónicas nobres e plebeus eram tratados como iguais, discutindo livremente qualquer tópico, professando diferentes religiões sem discórdia, mantendo elos secretos de solidariedade por vezes transnacional.

A Imperatriz, como muitos soberanos na época, reconheceu na maçonaria um potencial de instigação revolucionária que, como a Declaração de Independência Americana de 1776 veio provar, poderia destronar as velhas nobrezas do poder.

Joseph II, ao que parece ele próprio maçon, era favorável aos princípios da Ordem, tal como se demonstra por uma epístola enviada ao maçon Colloredo, Arcebispo de Salzburg: o Império que dirijo deve ser governado de acordo com os meus princípios: os preconceitos, o fanatismo, a arbitrariedade e a opressão das consciências devem ser reprimidos e cada um dos meus súbditos deve ter direito às liberdades que lhe pertencem.

Todavia, mesmo reinando sozinho desde 1780, os acontecimentos dos últimos anos e as informações alarmistas da polícia secreta fizeram com que o Imperador tentasse refrear a Ordem Maçónica, que só em Viena teria já mais de mil adeptos.

Violando claramente essa sua alardeada vontade de respeitar as liberdades de seus súbditos fez publicar, a 28 de Março de 1781, um decreto que viria a ser um golpe mais eficaz que as bulas de Clemente XII (1738) e Benedicto XIV (1751), uma vez que quebrou a regularidade das Oficinas do Império: nenhuma ordem espiritual ou secular pode submeter-se à autoridade estrangeira nem essas ordens poderão pagar tributos a outra entidade que não a Monarquia.

A constituição da Grande Loja da Áustria, em Abril de 1784, não conseguiu travar o declínio iniciado. A 22 de Abril de 1784 havia 17 lojas na Áustria, 7 na Boémia, 12 na Hungria, 17 na Bélgica e 4 em Lamberg (Galiza). Dessas, algumas delas, como a Verdadeira Concórdia do mineralogista Ignaz von Born, tinham mais de 200 elementos.

Foi nesse ambiente que Wolfgang Amadeus Mozart foi iniciado a 14 de Dezembro de 1784 na Loja da Beneficência (Viena), tendo passado a Companheiro a 7 de Janeiro de 1785.

As suas relações com a Maçonaria datam, pelo menos, de 1773 quando aceitou o pedido do maçon F.A. Mesmer (cientista conhecido pelos seus trabalhos sobre o magnetismo animal) para musicar um texto do também maçon Gebler. A obra denominava-se Thamos, Rei do Egipto, cuja acção decorre na época em que lendariamente se atribui a fundação da Maçonaria. A egiptologia estava nessa altura intimamente ligada à maçonaria, como o surgimento do Rito Egípcio de Cagliostro demonstra.

É também curioso que, em Novembro de 1777, Wolfgang assine uma carta para uma prima sob o pseudónimo W. Amadé Rose-Croix. Outros indícios da sua proximidade são as conhecidas relações com os Mesmer ou o conde van Swieten, ou ainda a sua participação em actividades paramaçónicas como os Concertos dos Amadores. Há ainda a assinalar uma certa adesão de linguagem, demonstrada numa carta enviada ao Padre Martini em 1776 em que refere a necessidade de nos iluminarmos mutuamente e de nos empenharmos no progresso das Ciências e das Belas-Artes.

A Loja a que Mozart pertenceu estava bem dentro desse espírito. Sabe-se que era constituída por Príncipes, Condes, Barões, altos funcionários públicos, oficiais militares, diplomatas, escritores, músicos, banqueiros e comerciantes, e que os assuntos versados seriam muito provavelmente políticos e reformistas.

Contudo, o alto nível social dos seus elementos não evitou que em 11 de Dezembro de 1785 o Imperador Joseph II decretasse a redução das Lojas vienenses a 3 e dos seus membros a 180. Como consequência duas Oficinas dessa cidade abateram colunas (S. João e Constância) tendo alguns irmãos integrado a recém-formada Nova Esperança Coroada, constituída a partir das Lojas A Esperança Coroada, A Beneficência e Três Fogos. As restantes três Lojas de Viena, A Verdadeira Concórdia, A Palmeira e As Três Águias formaram sob o malhete de Born uma verdadeira Loja de élite chamada A Verdade. O decréscimo de mais de mil para 360 maçons e as perseguições que se seguiram ditaram que nenhuma das Lojas sobrevivesse à década seguinte.

Mozart empenhou-se ferverosamente na causa maçónica, tendo mesmo composto música ritual e várias cantatas. Ao facto de a partir da morte de Joseph II em 1790, não ter recebido mais encomendas reais, não se alheiam as suas conhecidas inclinações maçónicas. Apesar de Leopoldo II, o sucessor, ter sido Soberano Príncipe Rosa-Cruz na Toscânia, ele encontrava-se atemorizado pelos acontecimentos de 1789 em França, onde estalou uma Revolução sob o mote Liberdade, Iguladade, Fraternidade, identificado com os valores maçónicos. Apesar da Maçonaria Francesa ter sido uma das vítimas preferenciais do Terror (dado que se constituía por muitos membros da aristocracia) a irmã de Leopoldo, Marie Anthoinete, em prisão domiciliária, era peremptória em acusar esta Ordem da instabilidade das monarquias na Europa. Pior do que isso, sabendo que Frederico II da Prússia era, ele próprio, maçon, Leopoldo temia que a Ordem servisse como rede de oposição interna aliada ao inimigo do Norte.

A partir de 1790, Leopoldo II assumiu, receando as consequências da agitação causada pelas várias ordens secretas que operavam no Império Austro-Húngaro (i.e., Illuminati, Estrita Obediência/Templários, Irmandade Asiática, Rosa-Cruz, Lojas de S.João), uma posição ainda mais negativa que o antecessor, a qual viria a ser extremada após a sucessão por Francis II.

Em 1791, a situação da Maçonaria na Áustria era de agonia. W.A. Mozart foi contactado por diversos irmãos para produzir obra que propagandeasse as virtudes da Ordem maçónica. Já em 1785, Mozart tinha composto As bodas de Fígaro, ópera de contornos igualitários, e era-lhe por ora proposto que fizesse uma ópera séria para a coroação de Leopoldo II, em Praga. Por sugestão de alguns irmãos desta cidade, Wolfgang musicou a obra de Metastasio intitulada A Clemência de Tito em que se retrata um Imperador imbuído de valores de tolerância, poupando os seus inimigos, em alusão ao desejo de ver Leopoldo tolerar a existência da Maçonaria.

Nesse ano derradeiro de 1791, Mozart encontrava-se em plena produtividade. A última obra que apresentou em público foi A Flauta Mágica, que ele próprio conduziu. Esta ópera foi composta a partir do libretto de Schikaneder, que era simultaneamente actor e director de um teatro em Viena (Auf der Wieden). Schikaneder, maçon, propôs a Mozart esta ópera, escrita a partir de um texto de Wieland (Lulu e a flauta mágica), a partir do qual foi possível explorar a simbologia maçónica e deixar uma mensagem.

Parte 3. Sinopse Primeiro Acto.

Tamino, ameaçado por uma serpente, grita em vão por ajuda e desmaia.

3 Damas do Reino da Raínha da Noite matam a serpente e admiram a beleza da juventude inconsciente.

Papageno caça pássaros para a Raínha, mas quando se gaba de ter morto a serpente é castigado pelas 3 Damas que o amordaçam.

Quando Tamino acorda, mostram-lhe o retrato de Pamina, filha da Raínha, e ele apaixona-se.

Com um raio, a Raínha aparece e promete a Tamino a mão da filha desde que este a salve das garras do maléfico Sarastro.

As 3 Damas libertam Papageno da mordaça e dão-lhe um conjunto de sinos mágicos. A Tamino dão uma flauta mágica, para que este se defenda dos perigos a caminho do Castelo de Sarastro, a que será conduzido pelos 3 Rapazes.

No palácio de Sarastro, Papageno encontra Monostatos, que capturou Tamina, que tentava fugir, e que ameaça seduzi-la. Papageno e Monostatos assustam-se mutuamente, julgando ver o demónio.

Entretanto, os 3 Rapazes levam Tamino aos 3 Templos (da Natureza, da Razão, da Sabedoria).

Fascinado pela solenidade do local, Tamino apercebe-se que Sarastro afinal não é uma besta horrenda mas antes o Sumo Sacerdote do Templo da Sabedoria. Afinal Pamina está viva e não corre perigo!

Então convoca Papageno com a Flauta Mágica. Eles ouvem-se mas não se conseguem encontrar.

Pamina e Papageno fogem de Monostatos e seus escravos que os tentam aprisionar. Papageno, usando os sinos mágicos hipnotiza os escravos que deixam de os perseguir.

Entra Sarastro.

Pamina ajoelha-se e pede perdão pela fuga, enquanto Monostatos apresenta Tamino cativo.

Mas Sarastro fala docilmente aos enamorados mas anuncia que terão de ser purificados antes da união.

Como prémio, Monostatos recebe 77 vergastadas.

Segundo Acto.

Sarastro informa os Sacerdotes reunidos que deseja fazer de Tamino sacerdote e que o submeterá ao ritual iniciático. Foi por ele que raptou Pamina à mãe, pois os deuses destinavam-na a Tamino. Os Sacerdotes mostram o assentimento com 3 sopros de trombetas, e sarastro reza aos Deuses para que o espírito da sabedoria esteja neste par.

Tamino recebe as instruções de Sarastro obrigando-se ao silêncio e mantém-se firme quando as 3 Damas o tentam profetizando a desgraça. Só com dificuldade consegue evitar que Papageno fale. Este acompanha-o nas provas mas a estrada da purificação está-lhe vedada.

Monostatos, que rapta Pamina é surpreendido pela Raínha da Noite. Esta, dá um punhal a Pamina para que mate Sarastro. Monostatos apanha o punhal e força-a à rendição quando Sarastro intervém salvando-a.

Os 3 Rapazes conduzem Tamino a Pamina. Esta fica desiludida porque Tamino não lhe fala, pois mantém-se fiel ao juramento.

Sarastro exige mais um sacrifício a Tamino: que se despeça de Pamina.

Tamino, no caminho da purificação, é interrompido por Papageno e pela sua Pamina, disfarçada de velha para o tentar.

Os 3 Rapazes anunciam a chegada da manhã e salvam Pamina que estava prestes a cometer suicídio com o punhal.

Feliz, é autorizada a seguir Tamino nas provas do fogo e da água, os últimos marcos no caminho de provações.

Papageno, é também reunido à sua Papagena.

Pela última vez, os poderes das trevas reúnem-se e tentam extinguir a Luz. A raínha da Noite, as 3 Damas e Monostatos forçam a sua entrada no Templo, sedentos de vingança. Mas desaparecem numa explosão de raios e trovões e o Templo do Sol brilha na sua glória.

Parte 4. Breve Interpretação

É frequente ouvir comentar a Flauta Mágica como sendo uma peça ingénua, sem mensagem, de pobre conexão cénica. Todavia, em toda a sua idade adulta, Mozart nunca apresentou uma peça desprovida de significado. É, portanto, de esperar que os comentários que menorizam a grande ópera de Mozart sejam, eles sim, de uma profunda ingenuidade.

A aparente futilidade da história serve os intentos de quem quer falar publicamente de um assunto mas que deseja ser ouvido em dois registos, um profano, a que se destina a historieta de amor de contornos fantásticos, e outro iniciático, contextualizado com a simbologia da Real Arte. Goethe traduziu essa intenção da Flauta Mágica afirmando que é suficiente que o público ache prazer no espectáculo: ao mesmo tempo a sua alta significação não escapará aos iniciados.

A Flauta Mágica provém de uma evolução temática de Mozart, iniciada na infância com a peça An der Freude (que compôs com 12 anos) sobre um texto maçónico, materializada em Thamos, Rei do Egipto, onde se aborda a temática da fundação da Maçonaria, e se consolida em obras como As bodas de Fígaro, A Clemência de Tito ou Zaide.

Se sabemos que Schikaneder assinou o libreto, não podemos ignorar que este não poderia ser responsável pela alta coerência da simbologia, uma vez que havia sido expulso da sua loja de Ratisbona, Karl zu den drei Schluessen, nunca tendo sido readmitido. Sabemos também que, quase 30 anos passados, aparece Johann Georg Metzler, jurista, minerólogo e actor, a reclamar a autoria das partes sérias desta obra. E, reconhece-se a profunda influência do Venerável Ignaz von Born na concepção e contextualização da obra. Isso implica a supervisão directa do próprio Mozart, única pessoa que tinha acesso aos três ideólogos conhecidos da obra.

Na Flauta há diferentes planos sobrepostos e a análise de um único plano peca por defeito. Assim, passaremos a analisar esta obra, encontrando muitas vezes significados distintos mas concomitantes.

É notório o aparecimento de temas subtis recorrentes em Mozart como a igualdade entre os sexos (Cosi fán tuti). Assim, uma primeira interpretação desta obra poderia levar a que se julgasse ser apenas uma referência à luta entre sexos. A Raínha-da-Noite, elemento feminino representaria a ignorância, de que Pamina se liberta por casamento, enquanto Sarastro representaria a sabedoria. Poder-se-ia nesse sentido interpretar a obra como defensora de duas posições opostas: as mulheres ignorantes e incapazes de chegar aos segredos ou, pelo contrário, Pamina representando a redenção do sexo feminino, apresentada em igualdade com Tamino na cena final da ópera. Esta interpretação é pertinente e, seguramente, um dos objectivos a que Mozart se propõe. Registos históricos demonstram que a polémica do papel das Lojas de Adopção ou Ritos Femininos estava bem acesa e que a Grande Loja Austríaca era uma das organizações mais favoráveis a uma participação feminina não decorativa. É também desse tempo o surgimento do Rito de Cagliostro, misto, do qual Mozart bebeu alguma simbologia egípcia. O início do Acto I faz uso de simbologia das Lojas de Adopção (Ordem de Mopses): a serpente, os pássaros, o aloquete. O número de Damas (3) significa que estas são iniciadas, o que justifica que se oponham ao mundo tradicional da maçonaria (representado pelos 3 rapazes).

Uma outra interpretação, de elevada coerência, foi proposta em meados do século passado pelo célebre teólogo Moritz Alexander Ziller, maçon proveniente de Leipzig, que reconheceu nas personagens alguns tipos da conjuntura de 1790. Segundo esta interpretação, Sarastro representa um dos mais importantes Mestres Maçons, o então recém-falecido Ignaz von Born, Tamino representaria o Imperador Joseph II, Pamina o povo austríaco, pelo qual Joseph II combateria a falaciosa protecção da Raínha-da-Noite, Imperatriz Marie Thérese. Outras personagens foram desta forma identificadas: p.ex., Monostatos seria um maçon renegado chamado Hoffmann. Se esta interpretação parece acertada, parece que a simbologia desta ópera não se esgota aí.

Uma curiosa interpretação refere-se aos quatro elementos pitagóricos e a um incessante jogo de espelhos, como se se tratasse de um mosaico. Neste texto, existem claros pares de opostos: Tamino representa o Fogo e Pamina a Água, Papageno representa o Ar e Monostatos a Terra. Com estes interagem os símbolos Solar e Lunar, respectivamente Sarastro e a Raínha-da-Noite. Ou os elementos masculino e feminino: a futilidade feminina de Papageno e a bestialidade viril de Monostatos, Sarastro contra a Raínha ou os Três Rapazes contra as Três Damas.

Este jogo de reflexos é associado pelos iniciados à dualidade entre as colunas Jakin e Booz, sob as quais são representados, respectivamente, Osíris e Ísis, Masculino e Feminino, Sol e Lua, Dia e Noite, Fogo e Água, Ouro e Prata, Activo e Passivo, 5 e 3, Vermelho e Branco, Elucidação e Discurso, Maçonaria de Hirão e Ordem de Mopses (adopção).

Das interpretações já apresentadas, a história da Flauta apresenta-se como a rebelião contra o sexo forte, protagonizada pela Raínha que pretende obter o ceptro solar (o segredo da maçonaria masculina) na posse do Grão-Mestre Sarastro (símbolo da ordem masculina). O início da obra corresponde a um mundo de desordem: o negro Monostatos, o Corvo, está entre os puros enquanto Pamina, a Pomba, está entre os vís.

No decorrer da obra, caminho iniciático, Pamina é raptada ao mundo da noite, num dia de Primavera (esperança), de um jardim de ciprestes (referência à morte). A sua tentativa de fuga ao poder de Sarastro termina num jardim de palmeiras (referência à ressurreição).

Por conseguinte, há dois caminhos iniciáticos paralelos: o de Tamino, iniciação tradicional, e Pamina, semi-iniciação (de adopção). É notável a pista que nos é dada, provando esta interpretação, quando os amantes se submetem juntos às provas do Fogo e da Água.

Nesse contexto, a obra termina precisamente com a chegada de uma idade de ouro, uma nova ordem, em que Tamino e Pamina se casam, representando o seu casamento um nivelamento ritual e uma vitória da ordem sobre o caos(...).

EGOÍSMO E ORGULHO


Valdemar Sansão (*)


Não posso ouvir o que dizes porque aquilo que és troveja muito alto”.

O orgulho é sentimento de dignidade pessoal; brio, altivez no bom sentido. Mas o orgulho a que me refiro é o conceito elevado de si próprio; soberba, vaidade, egoísmo, máculas que podem levar o ser humano à penosas desventuras. As ilusões desfeitas obrigam a pessoa soberba e egoísta a palmilhar caminhos difíceis.
O egoísmo, sendo o amor excessivo ao bem próprio, não considera os interesses alheios.
Há pessoas que se julgam superiores às outras sob variados aspectos. Ensoberbados de si mesmas se esquecem das carências alheias. Os princípios universais e maçônicos de fraternidade, de solidariedade e outros não são presentes no íntimo de suas almas insensíveis. É a consideração da prevalência do egoísmo sobre o altruísmo.
A intensidade ou o tamanho do egoísmo e do orgulho não são fáceis de serem avaliados, não há medida para medi-los. Contudo, são tão manifestos em certos casos que se tornam mais acentuados do que todas as demais expressões.
Deparamos com pessoas que não se relacionam com outras porque julgam que estas não estejam à altura de entender os conhecimentos que lograram adquirir. Pensam que podem ser compreendidas apenas por quem usufrui de igual nível intelectual, por isso se isolam, ficam confinadas em seus castelos de ilusões. Tornam-se incapazes de descer de sua cultura arrogante. Tomadas pelo egoísmo, são incapazes de amar a outro, de ver o outro, de saber que ele existe. Para o egoísta, o mundo foi feito só para ele. Eles não são maus; apenas não conseguem ouvir, não conseguem aprender a ser generosos, não conseguem dar, dividir nada, nem seus conhecimentos, seus bens materiais e muito menos amor. Ignoram totalmente que o iletrado e o sábio, as pessoas que habitam moradas humildes e os palácios são todas irmãs e devem desfrutar, mutuamente, do respeito, da atenção, da complacência, do afeto e estima, uma das outras. Desses devemos nos afastar porque só nos trazem desânimo e desalento. Não revelam e nem cultivam humildade. Esquecem que em Maçonaria a participação de todos é indispensável; mesmo não tendo grandes conhecimentos, podemos estudar e progredir. Admiramos, e com razão, os grandes letrados, porém, podemos sempre dar algo de nós em favor da literatura maçônica. Na tolerância e serenidade podemos aprender, ampliar nossos conhecimentos, apesar das críticas de homens conhecidos publicamente que destroem os que começam a desenvolver seus primeiros passos. Isto sim não é maçônico. Eles, intolerantes, intransigentes, apesar de seus conhecimentos culturais, estão longe de compreender o que é Maçonaria e quais são os seus objetivos que estão estampados no amor, na humildade, no perdão...
Muito mais grave, porém, é quando deparamos com os que rejeitam com evasivas o que juraram aos Irmãos: o amor fraternal, que segundo o Ir.’. Antônio do Carmo Ferreira, Presidente da ABIM é o amor que irmana, o amor que aproxima, o amor que une. Ele ainda nos adverte sobre a necessidade de como “Construtores Sociais” derrubarmos os muros que possam se interpor entre nós, construindo pontes que nos aproximem para que trabalhemos unidos partilhando e perdoando, para a grandeza da Maçonaria e a Glória do Grande Arquiteto do Universo que nos fez todos iguais, Irmãos que se devem ajudar mutuamente.
A verdadeira sabedoria consiste em absorvermos integralmente os ensinamentos de nossa Sublime Instituição, praticando seus postulados, ajudando os fracos, os pequenos e oprimidos; combatendo todos os vícios, assim como os privilégios e monopólios, amando o próximo como a si mesmo. Enquanto não observarmos isso apesar de nossa pretensa intelectualidade, não seremos nada mais do que cativos da ignorância. Os sinais que melhor demonstram a nobreza da criatura humana são as manifestações da sua humildade e não suas faculdades intelectuais, seu predomínio, num sistema ou num tipo de cultura.
Em quase todas as atividades da pessoa orgulhosa constata-se a presença de desejos inferiores, a busca de evidência, de ostentação. É a ânsia de sobrepujar os semelhantes. A verdadeira liderança provém do trabalho digno e edificante, do esforço e da luta pelo bem comum, da vontade de progredir em sabedoria para melhor servir seus semelhantes pelo amor ao Grande Arquiteto do Universo.
Os bens mais cobiçados do mundo estão, muitas vezes, envoltos sob camadas subterrâneas. Quase sempre os que afluem à superfície são de pouco valor. Assim também ocorre com as pessoas. As que revelam valores morais elevados não buscam a evidência e o aplauso, pois estão envolvidas pela benção da simplicidade. Um dos postulados e principais objetivos da Maçonaria é o permanente combate a todos os vícios e más tendências.
Mas, o posicionamento pretensioso parece ser o das pessoas que se intitulam intelectualizadas. Elegem-se guias do pensamento de seus Irmãos. Muitas vezes ocorre que essas pretensas lideranças acham-se tão afastadas da verdade que chegam a se embaraçar em seus próprios erros.
Alguns entendem enganosamente que dominam a inteireza de suas doutrinas colocando-se em pedestais. O desdém para com os semelhantes chega a ser afronta ridícula. Não aprendem a partilhar, perdoar. Será que, verdadeiramente, os que regulam a conduta pela autoridade de que escreve, não correrão o risco de se perderem?
Acredito que tudo quanto um homem pode realizar, todos podem fazê-lo. O que escrevemos ou fazemos de bom, deve ser difundido aos olhos de todos, e não penso que este fato possa trair ou diminuir o seu valor.
Alguma coisa está errada no egoísta, no orgulhoso. O que o faria mudar para a vida que valha a pena ser vivida? Com certeza precisaria rir, chorar, dividir, perdoar e também irmanar e abraçar.
A Maçonaria é a luz que ilumina a evolução. Adverte que o egoísmo e o orgulho constituem as principais chagas morais que nos impede que aprendamos a servir, amar e alcançar a perfeição.
Sabemos, no entanto, que em oposição ao orgulho temos a humildade, tão importante ao nosso progresso! A humildade que faz com que o individuo se apague, não procurando demonstrar poder e posição.
Como maçons, nada devemos realizar com a finalidade de causar espanto, conflitos ou envaidecimentos. A humildade não permite melindres. A humildade nos conduz ao perdão – o verdadeiro perdão – que é a mais lídima demonstração de amor. Quem perdoa não se preocupa com atitudes de reconhecimento de quem o recebe. O perdão faz esquecer o mal e volta àquele que age dessa forma para o bem, cooperando com o próximo, jubilando-se com seu sucesso e, desse modo, capacitando-se a subir mais um degrau na Escada de Jacó.
Não podemos ignorar o exemplo das árvores: “As que mais crescem são as que sempre juntas se protegem, entrelaçando seus galhos, como se fossem mãos dadas, e desta união vem a resistência quase invencível”.
Lutemos, pois, contra o orgulho, a inveja, o egoísmo e todos os vícios, procurando cultivar a humildade, comportamentos dignos daquele que absorveu os postulados proclamados pela nossa Sublime Instituição.

(*) Valdemar Sansão
E-mail: vsansao@uol.com.br
Fone: (011) 3857-3402

BAGAGEM



Valdemar Sansão(*)

“Um homem não é grande por aquilo que ele fez e sim por aquilo a que ele renuncia”!

Acontece que na grande maioria dos casos, a busca a esse “status”, e a luta pela riqueza e o prestígio, acabam afastando o homem de um outro desenvolvimento tão importante quanto o progresso material: o desenvolvimento espiritual, e, principalmente, a assumir responsabilidades diante das nobres e altruísticas missões que nos aguardam em prol do bem comum.

É importante, pois, que todos nós saibamos encontrar uma fórmula, que nos permita escapar desse roteiro constituído de trabalho profissional, preocupação financeira e conquista de espaços nas colunas sociais. O homem que deseja progredir em relação ao seu desenvolvimento espiritual – e principalmente o Maçom que deve desbastar a Pedra Bruta – precisa ter em conta que a bagagem para a Grande Viagem não é a mesma que se leva quando de roteiros de negócios ou turismo. É preciso que tenhamos isso em mente! Não apenas em alguns momentos de reflexão, mas em cada minuto do dia. É preciso que o homem se localize como fiel da balança, sabendo até onde deve ser conduzido pelos seus desejos mundanos, naturais, de progresso material e até onde precisa levar sua vida, construindo um destino que, ao final, venha somar em seu crescimento espiritual.

Vejamos o que pode nos acontecer num encontro mais ou menos assim:

Ao fim de um dia estafante, de um dia de rotina, o homem procurou repousar e rapidamente dormiu. Dormindo, em sonho, ele pressentiu a presença de alguém. Era um estranho personagem que, dirigindo-se a ele, disse-lhe que se preparasse, porque a qualquer momento deveria viajar.

- Arrumai a mala!... – falou o estranho.

Embora aturdido pela nova situação e mesmo confuso e sem poder raciocinar direito, como um autômato, o homem começou a juntar tudo que tinha e que poderia levar com ele. À sua frente, o estranho personagem observava de perto os gestos do importante homem de negócios. Abriu a mala com um gesto quase automático, e começou a juntar suas coisas: roupas, livros, troféus, sapatos, diplomas e tantas coisas. Silente, o estranho apenas observava. E o homem foi colocando mais coisas na mala: um álbum de fotografias – onde estavam suas lembranças queridas; retratos de antigas namoradas; cartões de visita do seu grande círculo de amizades, etc, etc. – Ah! E o talão de cheques! Como esquecê-lo? Junto com o talão, apanhou seus cartões de crédito, colocando-os no bolso interno do traje branco, junto aos seus documentos pessoais e dinheiro vivo, em moeda corrente. Por um instante, levantou os olhos e viu o estranho que continuava ao seu lado, olhando aquela cena toda. O estranho sorriu, sacudiu a cabeça e disse:

- Nesta viagem não precisas de nada disso. O supérfluo deve ficar e contigo deves conduzir apenas aquilo que é realmente importante. O homem transpareceu surpresa no olhar e falou:

- Mas como? Roupas, dinheiro, calçados, documentos, cheques, nada disso é importante? Não estou entendendo!

- Verdade – retrucou o estranho – disseste-o muito bem. Nesta viagem que farás nada disso é importante. E constatando o olhar surpreso do homem, o estranho continuou falando calma e tranqüilamente. E disse que esta é uma viagem diferente. Tão diferente que, apesar de nem saber quando seria, o homem já deveria ir se preparando desde agora. E não poderia levar coisas que não fossem realmente importantes e necessárias. Sua voz continuava tranqüilamente a esclarecer:

- Não precisaras ocultar a nudez do teu corpo. Não precisaras de livros para ler, pois nada mais poderás aprender nos livros que possuis. Os teus sapatos não terão qualquer serventia, posto que não andarás mais na terra nem pisarás mais o chão.

Os teus troféus e as tuas medalhas não terão qualquer valor para onde vais. Nem tampouco diplomas te serão pedidos. As tuas fotografias nada mais significarão para ti e outras serão tuas lembranças. Deves esquecer conquistas sem finalidade, e nem todos os cheques de todos os bancos do universo comprarão sequer um banco rústico onde possas sentar. Para onde tu vais, o teu dinheiro não vale nada!

- Mas minhas roupas de alto valor? Meu “smoking”? Meu terno branco de tanto gosto? – perguntou o homem.

- Nada disso importa! – Não deves te preocupar com a brancura do teu terno, mas sim com a alvura da tua alma, a branco pureza que deve vestir o teu espírito...

Nesta altura do diálogo, o homem sentiu-se envolver por uma aura de luz dourada que chegava até eles, sem que se pudesse perceber de onde. Então, sem entender bem porquê, o homem começou a tirar toda aquelas coisas da mala, que logo ficou vazia.

- Para que a mala? – pensou ele, perguntando em seguida – Apesar de teres dito para arrumar a mala, ei-la vazia, sem razão de ser e sem finalidade. Que querias dizer quando ordenaste que eu arrumasse a mala?

- Quando te mandei arrumar a mala, não me entendeste! Eu me referia a que reuniste tudo de puro e de bom que teus sentimentos abrigam na bagagem do teu espírito, no recesso do teu coração. Eu pedia que reunisse num somatório, todos os gestos de amor que praticaste até aqui; toda a palavra de perdão que proferiste; todo o amor fraterno que ofereceste aos teus Irmãos; toda a fome que ajudaste a mitigar, a sede que saciaste, o corpo de alguém que agasalhaste; toda a palavra que proferiste para educar, ensinar, guiar, esclarecer e proteger. Esta, apenas esta, é a bagagem que deves reunir. Esta mala que está ao teu lado, não tem qualquer serventia a não ser aqui. A outra, a mala que te mandei arrumar, é a mala do coração e da mente.

No faiscar de um instante, num relance, o homem compreendeu que a viagem que deveria fazer seria para além do mundo material. Galgaria os céus, ou quem sabe, desceria aos infernos. Subiria á culminância das estrelas, num encontro fatal com os anjos portadores da balança da Lei e, depois, quem sabe onde iria parar. No recesso da Casa do Pai ou nas profundezas abismais das trevas e do medo.

- Então, a minha viagem é agora – falou. O suor deslizava pela sua testa e se precipitava no abismo de suas faces. Sua voz estava rouca. A garganta estava seca. E o homem fez um esforço e disse:

- Vou morrer?

O estranho sorriu e respondeu tranqüilizando o homem.

- Não! A tua viagem não é agora. Mas poderá ser no próximo minuto, dentro de alguns dias, talvez semanas, quem sabe dentro de muitos anos, ainda. Mas ouve o meu conselho: não deixa para arrumar tua bagagem no minuto anterior à partida. Não! Deves cuidar dos teus bens (se é que possui algum) agora. Prepara-te com antecedência. Mesmo porque não poderás saber quando chegará o momento do céu se abrir e as trombetas dos anjos anunciarem que a tua viagem está começando. Que não sejas pego de surpresa. Que não viajes despido e sem nada. Porque se assim o fizeres, certamente terás que retornar para recuperar o que perdeste e para construir o que não edificaste. E o que é bem pior, voltarás para trocar teus valores e, então sim, encontrareis o teu tesouro. Cuida-te, pois! Construir na matéria a finalidade maior da vida terrena, esquecendo que acima de tudo isto existe a essência Maior, que conduz à morada espiritual na Casa do Pai, é um trágico e amargo engano que a maioria dos homens comete. Pára e medita. Traça um paralelo entre a vida do homem espiritual em seu manancial de verdadeira Luz e Sabedoria. Se as trombetas tocassem agora e os anjos chamassem teu nome, terias pronta a bagagem para a grande viagem?

(*) Valdemar Sansão
E-mail: vsansao@uol.com.br
Fone: (011) 3857-3402

Bibliografia: Coletado no trabalho: “O Estranho” do Ir.’. Tibiriçá Freitas (A TROLHA Mar-Abril/90)

ANTROPOLOGIA E FORMAS QUOTIDIANAS

L. Jean Lauand

a filosofia de
S. Tomás de Aquino subjacente à nossa Linguagem do Dia-a-Dia

(Conferência proferida na Universitat Autònoma de Barcelona,
Dept. de Ciències de l'Antiguitat i de l'Etat Mitjana, 23-4-98)

"Obrigado", "Parabéns", "Perdoe-me", "Meu caro", "Felicidades", "Meus
pêsames" e diversas outras formas de linguagem do relacionamento quotidiano - nas diversas línguas - encerram em si profundas informações para o estudo filosófico do homem. Para além do eventual formalismo vazio em que o uso diário tende a arremessá-las, essas expressões - à primeira vista, tão inofensivas - incidem, originariamente, sobre importantes dimensões da realidade humana.
A partir da discussão metodológico-temática sobre a linguagem e a antropologia filosófica (guiados pelo clássico S. Tomás de Aquino), essas fórmulas de convivência mostram-se autênticas mensagens cifradas, por vezes infinitamente surpreendentes e sábias... Como diz Isidoro de Sevilha, sem a etimologia não se conhece a realidade e com ela mais rapidamente atinamos com a força expressiva das palavras (1).
Na verdade, as palavras têm um potencial expressivo muito maior do que nós - tão familiar e quase automático é o uso que delas fazemos - possamos imaginar. Daí a atenção do filósofo para os modos de dizer, os contextos, as sutilezas da linguagem comum, em sua própria língua ou em outras.
Quando a filosofia se volta para a linguagem comum, não está praticando um procedimento periférico, mas atingindo algo de muito essencial, pertencente ao próprio núcleo da reflexão filosófica.
Tal apropriação, dizíamos, não é fácil nem imediata. Nossa tendência é antes a de embotamento e esquecimento do profundo sentido originário que acabou por se consubstanciar nesta ou naquela formulação. Pois, sempre vige aquela verdade fundamental, ressaltada tanto pela antropologia ocidental quanto pela oriental: o homem é, essencialmente, um ser que esquece!(2) E, assim, a linguagem, a língua viva do povo, acaba por ser em muitos casos a depositária das grandes experiências esquecidas. E se quisermos resgatar o sentido do humano que elas encerram, devemos voltar-nos, criticamente, para esse depósito... Não é de estranhar, pois, que num clássico como Tomás de Aquino encontremos uma filosofia altamente comprometida com a linguagem.
Nesse sentido, é oportuno recordar alguns de seus princípios metodológicos.

1) Nossas palavras, freqüentemente, só alcançam fragmentariamente - Tomás usa o advérbio divisim - a realidade, que é complexa, que supera, de muito, a capacidade intelectual humana. Aliás, é de Tomás a aguda observação de que "filósofo algum jamais chegou a esgotar sequer a essência de uma mosca". Ao contrário de Deus, que expressa tudo num único Verbo, "nós temos de expressar fragmentariamente os conhecimentos em muitas e imperfeitas palavras"(3).

2) Outro fenômeno interessante, também ele ligado à limitação de nosso conhecimento/linguagem, é o que poderíamos denominar: efeito girassol, assim explicado por Tomás: "Já que os princípios essenciais das coisas são por nós ignorados, freqüentemente, para significar o essencial (que não atingimos) nossas definições incidem sobre um aspecto acidental"(4). Assim, por exemplo, todo o ser da planta que chamamos girassol é designado por um fenômeno-gancho, acidental e periférico, no caso o do heliotropismo.

3) Daí, também, que não escape ao Aquinate o fato de que, freqüentemente, é diferente o gancho, o aspecto, o caminho pelo qual cada língua acessa uma< determinada realidade: o mesmo objeto que me protege contra a água (guarda-chuva) produz uma sombrinha (umbrella). Daí, diz Tomás, que "línguas diferentes expressem a mesma realidade de modo diverso"(5).

"Muito obrigado" - os três níveis da gratidão

Dizíamos que a limitação do conhecimento humano reflete-se na linguagem: não podemos expressar o que as coisas são, na medida em que não sabemos completamente o que elas são. Além do mais, muitas vezes, uma palavra acentua originariamente só um dentre os muitos aspectos que a realidade designada oferece. E pode ocorrer que, com o passar do tempo, essa realidade mude, evolua substancialmente a ponto de perder a conexão com o étimo da palavra, que permanece a mesma. Isto não nos choca, pois, no uso quotidiano, as palavras vão perdendo transparência: falamos em salada de frutas porque envolve mistura e nem notamos que salada deriva de sal. Do mesmo modo, o barbeiro, hoje em dia, quase já não faz barbas, mas cortes de cabelo; como também o tintureiro já não tinge, mas só lava; o garrafeiro compra jornais velhos e muito poucas garrafas; o chauffeur não aquece, mas dirige o carro; e nem nos lembraríamos de associar funileiro a funil.
Se essas incompatibilidades não nos causam estranheza é porque a linguagem tornou-se opaca para nós: dizemos colar, colarinho, coleira, torcicolo e tiracolo e não reparamos em que derivam de colo, pescoço (daí que seja incompreensível, à primeira vista, a expressão "sentar no colo").
Essas considerações são importantes preliminares ao estudo da gratidão e das formulações que ela recebe nas diversas línguas. Tomás ensina que a gratidão é uma realidade humana complexa (e daí também o fato de que sua expressão verbal seja, em cada língua, fragmentária: este ou aquele aspecto-gancho é o acentuado): "A gratidão se compõe de diversos graus. O primeiro consiste em reconhecer (ut recognoscat) o benefício recebido; o segundo, em louvar e dar graças (ut gratias agat); o terceiro, em retribuir (ut retribuat) de acordo com suas possibilidades e segundo as circunstâncias mais oportunas de tempo e lugar" (II-II, 107, 2, c).
Este ensinamento, aparentemente tão simples, pode ser reencontrado nos diferentes modos de que as diversas línguas se valem para agradecer: cada uma acentuando um aspecto da multifacética realidade da gratidão. Algumas línguas expressam a gratidão, tomando-a no primeiro nível: expressando mais nitidamente o reconhecimento do agraciado. Aliás reconhecimento (como reconnaissance em francês) é mesmo um sinônimo de gratidão. Neste sentido, é interessantíssimo verificar a etimologia: na sabedoria da língua inglesa to thank (agradecer) e to think (pensar) são, em sua origem, e não por acaso, a mesma palavra. Ao definir a etimologia de thank o Oxford English Dictionnary é claro: "The primary sense was therefore thought"(6). E, do mesmo modo, em alemão, zu danken (agradecer) é originariamente zu denken (pensar). Tudo isto, afinal, é muito compreensível, pois, como todo mundo sabe, só está verdadeiramente agradecido quem pensa no favor que recebeu como tal. Só é agradecido quem pensa, pondera, considera a liberalidade do benfeitor. Quando isto não acontece, surge a justíssima queixa: "Que falta de consideração!"(7). Daí que S. Tomás - fazendo notar que o máximo negativo é a negação do grau ínfimo positivo (a última à direita de quem sobe é a primeira à esquerda de quem desce...) - afirme que a falta de reconhecimento, o ignorar é a suprema ingratidão(8): "o doente que não se dá conta da doença não quer se curar"(9).
A expressão árabe de agradecimento shukran, shukran jazylan situa-se diretamente naquele segundo nível: o de louvor do benfeitor e do benefício recebido. Já a formulação latina de gratidão, gratias ago, que se projetou no italiano, no castelhano (grazie, gracias) e no francês (merci, mercê)(10) é relativamente complexa. Tomás diz (I-II, 110, 1) que seu núcleo, graça comporta três dimensões: 1) obter graça, cair na graça, no favor, no amor de alguém que, portanto, nos faz um benefício; 2) graça indica também dom, algo não devido, gratuitamente dado, sem mérito por parte do beneficiado; 3) a retribuição, "fazer graças", por parte do beneficiado. No tratado De Malo (9,1), acrescenta-se um quarto significado de gratias agere: o de louvor; quem considera que o bem recebido procede de outro, deve louvar.
No amplo quadro que expusemos - o das expressões de gratidão em inglês, alemão, francês, castelhano, italiano, latim e árabe - ressalta o caráter profundíssimo de nossa forma: "obrigado"(11). A formulação portuguesa, tão encantadora e singular, é a única a situarse, claramente, naquele mais profundo nível de gratidão de que fala Tomás, o terceiro (que, naturalmente, engloba os dois anteriores): o do vínculo (ob-ligatus), da obrigação, do dever de retribuir. Podemos, agora, analisar a riqueza de sugestões que se encerra também na forma japonesa de agradecimento(12).
Arigatô remete aos seguintes significados primitivos: "a existência é difícil", "é difícil viver", "raridade", "excelência (excelência da raridade)". Os dois últimos sentidos acima são compreensíveis: num mundo em que a tendência geral é a de cada um pensar em si, e, quando muito, regularem-se as relações humanas pela estrita e fria justiça, a excelência e a raridade salientam-se como característica do favor. Mas, "dificuldade de existir" e "dificuldade de viver", à primeira vista, nada teriam que ver com o agradecimento. No entanto, S. Tomás ensina (II-II, 106, 6) que a gratidão deve - ao menos na intenção - superar o favor recebido. E que há dívidas por natureza insaldáveis: de um homem em relação a outro, seu benfeitor, e sobretudo em relação a Deus: "Como poderei retribuir ao Senhor - diz o Sl. 115 - por tudo o que Ele me tem dado?". Nessas situações de dívida impagável - tão freqüentes para a sensibilidade de quem é justo - o homem agradecido sente-se embaraçado e faz tudo o que está a seu alcance (quid-quid potest), tendendo a transbordar-se num excessum que se sabe sempre insuficiente(13) (cfr. III, 85, 3 ad 2). Arigatô aponta assim para o terceiro grau de gratidão, significando a consciência de quão difícil se torna a existência (a partir do momento em que se recebeu tal favor, imerecido e, portanto, se ficou no dever de retribuir, sempre impossível de cumprir...).

Sinônimos?

Tomás é muito estrito no uso da palavra "sinônimo": para ele, são sinônimas somente palavras de significados absolutamente equivalentes, isto é, que não só indicam a mesma realidade (res), mas também o mesmo aspecto, a mesma ratio. Diz, por exemplo: "Embora essas palavras signifiquem a mesma realidade, não são sinônimas porque não a enfocam sob o mesmo aspecto"(14).
Assim, para Tomás, duas (ou mais) palavras são sinônimas se (e somente se...) em quaisquer contextos puderem ser comutadas sem real alteração de sentido: o exemplo que dá, no Comentário às Sentenças, é tunica, vestis e indumentum. O que quer que se afirme (ou negue) de tunica, será afirmado (ou negado...) também de vestis(15). É como trocar "meia-dúzia" por "seis"... Nós, hoje, com me-nos precisão, admitimos como sinônimas justamente palavras que - embora com diferentes títulos ou ênfases - apontam para a mesma realidade. Assim, de "sinônimo", diz o Aurélio: "palavra que tem quase (sic) a mesma significação que outra". Já o Larousse, explicita melhor: "mots qui se présentent dans la langue avec des sens très proches et qui se différencient entre eux par une nuance (trait particulier)". Já o Oxford distingue e registra dois sentidos, o estrito e o lato: "Synonym - 1. Strictly, a word having the same sense as another (in the same language); but more usually (grifo nosso), either or any of two or
more words (in the same language) having the same general sense, but possessing each of them meanings which are not shared by the other or others, or having different shades of meaning (grifo nosso) or implications appropriate to different contexts: e.g. serpent, snake; ship, vessel etc.".
Para Tomás, pelo contrário, como dizíamos, duas palavras podem referir-se à mesma e única realidade e, no entanto, não serem sinônimas: porque diferentes são suas rationes.
É o caso, por exemplo, dos diversos nomes pelos quais designamos a Deus ou seus atributos (Criador, Onipotente, a Bondade, a Justiça etc.): todos incidem sobre a mesma realidade, mas não são sinônimos(16). Seja como for, do ponto de vista metodológico, são de especial interesse para o filósofo, dois pontos: 1) a busca de contextos da linguagem comum em que uma palavra não pode - sem alteração de sentido - ser substituída por nenhum "sinônimo": este é um fecundo procedimento para atinar com a realidade antropológica significada pelo vocábulo e 2) O segundo ponto a destacar é o fato de que cada "sinônimo" tem sua ratio, aponta para um determinado aspecto diferente da mesma e única realidade: tal como quando falamos em "casa", "lar", "domicílio" ou "residência". Em si, a realidade a que se referem estas palavras é a mesma e única edificação - na Rua Tal, número tal -, mas ninguém diz "domicílio, doce domicílio", nem a Prefeitura cobra impostos sobre meu lar, etc.(17). Essa multiplicidade de formas de linguagem para a mesma res tem importância na análise que Tomás faz do amor.
"Meu caro"

A riqueza (e a precisão) de vocabulário vivo para determinado assunto em uma língua denota o interesse vital dos falantes por aquele tema. Nesse sentido, note-se, por exemplo, o incrível detalhamento a que chegou o léxico futebolístico no Brasil, em que a resolução da linguagem chega a distinguir: bicicleta, meia-bicicleta, puxeta e voleio! Do mesmo modo, S. Tomás apresenta distinções entre diversos "sinônimos" de amor em latim, interessantes do ponto de vista da antropologia filosófica. Assim, ao afirmar (em I Sent. d.10, q.1, a. 5, ex) que o Espírito Santo é amor ou caritas ou dilectio do Pai e do Filho, precisa que amor indica a simples inclinação de afeto para o amado, enquanto dilectio ("como a própria etimologia indica") pressupõe escolha e é, portanto, racional. Já caritas, objeto de particular estudo neste tópico, enfatiza a veemência do amor (dilectio) enquanto se tem o amado por inestimável preço ("inquantum dilectum sub inaestimabili pretio habetur"), no mesmo sentido em que dizemos que as coisas (o custo de vida, as compras) estão caras ("secundum> quod res multi pretii carae dicuntur").
Há aqui um fato surpreendente e muito sugestivo. Não é por acaso que, também em outras línguas, se use a mesma e única palavra para dizer: "meu caro amigo" e "o feijão está caro" ("my dear friend", "beans are too dear"; "mon cher ami" e "haricots sont trop cher"). Para o realismo medieval, não há nenhum choque em que a palavra "caridade", escolhida para designar o amor de Deus (e o amor ao próximo por Deus) seja a palavra, pré-cristã, ligada a dinheiro, preço: caridade, o amor pelo amado, insiste Tomás, indica aquilo (uma coisa, um objeto) que consideramos de inestimável preço, como caríssimo: "Caritas dicitur, eo quod sub inaestimabili pretio, quasi carissimam rem, ponat amatum caritas" (In III Sent. d.27, q.2, a.1, ag7).
Assim, quando dizemos "meu caro amigo" ou "caríssimo Fulano", estamos valendo-nos de metáforas de preço (daí, também, a-preço, prezado, menos-prezo, des-prezo etc.), de estima, de estimativa.
Nesta mesmíssima linha, situa-se a fórmula de cortesia árabe, ante um amigo que diz que vai pedir algo: "Anta gally wa talibuka rakhiz" ("você é caro e seu pedido é barato"). E quando nos lembramos que Cristo compara o Reino dos Céus a um tesouro que um homem encontra num campo ou a um mercador que procura pedras preciosas e que a obtenção desse bem requer a venda de todo o resto, não nos surpreenderá que "caridade" seja a palavra para designar o bem apreciado.
Voltemo-nos agora para uma outra situação de nossa vida quotidiana, a de felicitação, procurando resgatar o sentido originário dos votos de congratulação. Seguindo o procedimento medieval, estaremos atentos à etimologia.
"Parabéns"

Quando transcendemos o âmbito protocolar das formalidades e da praxe, os votos de felicitação: "Parabéns!" (e seus irmãos: o espanhol Enhorabuena!, o inglês Congratulations!, o italiano Auguri!), vemos que eles trazem em si diferentes e complementares indicações sobre o mistério do ser e o do coração humano. O que significam exatamente essas formulações? O que realmente queremos dizer, quando dizemos "parabéns" ou "congratulations" etc.? Todas essas expressões trazem em si um profundo significado, por assim dizer, "invisível a olho nu".
Comecemos pela fórmula castelhana: Enhorabuena!, literalmente "em boa hora". Enhorabuena indica que um determinado caminho (os anos de estudo que desembocaram numa formatura, o árduo trabalho de montar uma empresa que se inaugura etc.) chega, nesta hora, em que se dão as felicitações, a seu termo: esta é que é a hora boa, enhorabuena! Precisamente o fato de ser a hora da conclusão é que a torna uma boa hora. A sabedoria dos antigos fala da "hora de cada um", de horas boas e más. Mas a hora boa, a hora melhor é a da conclusão, a da consumação, a do bom termo do caminho, a hora do fim, que é melhor do que a do começo: "Melior est finis quam principium" (Ecl. 7,8), diz a própria Sabedoria divina.
Já a formulação inglesa, também presente no alemão e em outras línguas, congratulations, expressa a alegria compartilhada pelo bem do outro, com quem nos congratulamos, isto é, nos co-alegramos. Essa comunhão na alegria é sugerida também pela forma depoente dos verbos latinos gratulor e congratulor. A forma depoente está a indicar que a ação descrita no verbo não é ativa nem passiva: mas uma ação que, exercida pelo sujeito, repercute nele mesmo. Ou seja, no caso, que a alegria que externamos ao felicitar tal pessoa é também, a título próprio, muito nossa.
O árabe mabruk lembra o caráter de bênção daquele dom pelo qual felicitamos alguém.
Com a encantadora forma nossa, "Parabéns!", estamos expressando precisamente isto: que o bem conquistado, que a meta atingida seja usada "para bens". Pois, qualquer bem obtido (o dom da vida, dinheiro ou a conquista de um diploma) pode, como todo mundo sabe, ser empregado para o bem ou para o mal.
O italiano, auguri, auguri tanti!, anuncia (ou enseja) que este bem celebrado é só prenúncio, prefiguração, augúrio de outros ainda maiores que estão por vir.

"Meus pêsames"

"Carregava uma tristeza...", diz o antigo samba de Paulinho da Viola: a tristeza é - evidentemente - um peso, os famosos pesares...! E para carregar o peso da dor, da tristeza, nada melhor - ensina Santo Tomás - do que a ajuda dos amigos: "porque a tristeza é como um fardo pesado que se torna mais leve para carregar, quando compartilhado por muitos: daí que a presença dos amigos seja tão apreciada nos momentos de dor"(18).
Compreende-se, assim, imediatamente, que a expressão de condolências ("doer-se com") seja pêsames, literalmente: pesa-me ("eu te ajudo a carregar o peso desta tua tristeza").

Perdoe-me"

"Perdonare" é uma forma tardia que não se encontra em Tomás. A palavra correspondente e usual, por ele empregada, é par-cere. No entanto, encontramos em S. Tomás as razões filosóficas que justificam a grandiosa etimologia das formas modernas: "perdoar", "perdão", "perdonar", "pardon", "pardonner" etc.
O prefixo per acumula os sentidos de "por" ("através de") e de plenitude, grau máximo: como em perlavar (lavar completamente) perfulgente (brilhantíssimo), per-feito, per-manganato etc. E, assim, o perdão aparece como o superlativo da doação. O mesmo se dá com as formas inglesa e alemã: for-give, vor-geben.
Como o Aquinate pensa o tema do perdão e como o relaciona com o máximo da doação? Há aí influências bíblicas e litúrgicas. Na liturgia, Tomás impressiona-se com a oração, por ele freqüentemente citada(19), da missa do X domingo depois de Pentecostes (e, ainda hoje, preservada no XXVI domingo do tempo comum), que diz: "Deus qui omnipotentiam tuam parcendo maxime manifestas" ("Deus, que manifestais vossa onipotência, principalmente perdoando..."). E afirma que o perdão de Deus é poder superior ao de criar os céus e a terra (II-II, 113, 9, sc).
Por outro lado, ele lê na tradução latina da epístola aos efésios: "sede benignos e 'doai-vos' uns aos outros, tal como Deus, em Cristo, vos 'doou'" (Ef 4,32)(20). E em II Cor 2:10 "A quem vós 'doeis' eu também 'dôo' e o que eu 'doei' etc."(21). Tomás não tem dúvidas: o doar, por excelência, não é doar dinheiro ou tempo ou qualquer outra coisa, mas sim perdoar(22).
E conclui, com sua habitual sobriedade, com sugestivos id est: "Donate, id est parcite" (Super II ad Cor. cp 12, lc 4) e "Donantes, id est parcentes" (Super ad coloss. cp 3 lc 3) .


1. "Nisi enim nomen scieris, cognitio rerum perit" (Et. I, 7,1) e "Nam dum videris unde ortum est nomen, citius vim eis intellegis" (Et. I, 29,2).
2. Veja-se, a propósito, o capítulo "Educação e Memória" in Lauand, Medievália, São Paulo, Hottopos, 1996.
3. "Quia enim nos non possumus omnes nostras conceptiones uno verbo ex-primere, ideo oportet quod plura verba imperfecta formemus, per quae divisim exprimamus omnia, quae in scientia nostra sunt (Super Ev. Io. Cp 1, lc1).
4. "Et quia essentialia principia sunt nobis ignota, frequenter ponimus in defini-tionibus aliquid accidentale, ad significandum aliquid essentiale" (In ISent. ds25 q 1, a 1, r 8).
5. "Diversae linguae habent diversum modum loquendi" (I, 39, 3 ad 2).
6. Cito pela edição em hipertexto-Cd-ROM: OED 2nd. ed. on CD-ROM, 1994.
7. Já Sêneca - citado por S. Tomás, II-II, 106, 3 ad 4 - fala de que não pode haver gratidão, senão pelo que ultrapassa o estritamente devido, "ultra debitum". Ministerium tuum est ("Você não fez mais que sua obrigação") e outras do mesmo teor são, como se vê, fórmulas já bastante antigas.
8. "Est gravissimum inter species ingratitudinis, cum scilicet homo beneficium non recognoscit" (In II Sent. d.22 q.2 a.2 r.1).
9. "Quia dum morbum non cognoscit, medicinam non quaerit", ibidem.
10. Merci é derivado de merces (salário), que tomou no latim popular o sentido de preço, do qual derivou o de "favor" e o de "graça".
11. Infelizmente, nestes últimos anos, no Brasil, "obrigado" vem sendo substituído pelo insosso "valeu!".
12. Devo à Profa. Chie Hirose as observações sobre a expressão Arigatô na língua japonesa.
13. Dessa insuficiência de quem sabe não dispor de moeda forte, nasce o recurso a Deus, consignado na expressão "Deus lhe pague", que, naturalmente, deixa subentendido que um pobre homem, como eu, não pode fazê-lo...
14. "Quamvis nomina dicta eandem rem significent, non tamen sunt synonyma: quia non significant rationem eandem" (CG I, 35, 1).
15. "Sicut patet etiam in synonimis; tunica enim et vestis eamdem rem significant, tamen nomina sunt diversa; et similiter indumentum. Unde affirmationes et negationes quae pertinent ad rem, non possunt verificari, ut dicatur: tunica est alba, indumentum non est album" (In I Sent. d. 34, q.1, a.1, r.2)
16."Ostenditur etiam ex dictis quod, quamvis nomina de Deo dicta eandem rem significent, non tamen sunt synonyma: quia non significant rationem eandem" CG I, 35, 1. Ou "Cum non secundum eandem rationem attribuantur, constat ea non esse synonyma, quamvis rem omnino unam significent: non enim est eadem nominis significatio, cum nomen per prius conceptionem intellectus quam rem intellectam significet" CG I, 35, 2.
17. Ainda que, naturalmente, há casos em que é legítima a substituição de uma dessas palavras por outra, ou indiferente o uso desta ou daquela: afinal são "sinônimas"!
18. "Quod tristitia est sicut onus grave quod quanto plures transsumunt fit levius ad portandum et sic presentia amici delectabilis" (Tabula libri Ethicorum, cpt).
19. Por exemplo em II-II, 113 9, sc e In IV Sent. d.46, q.2, a.1, cag1.
20. "Estote autem invicem benigni misericordes donantes invicem sicut et Deus in Christo donavit nobis".
21. "Cui autem aliquid donatis et ego nam et ego quod donavi si quid donavi propter vos in persona Christi".

22."Doar aqui é usado no sentido de perdoar" Super II ad Cor. cp 12, lc 4.